terça-feira, 21 de novembro de 2023

Entrevista: E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante retorna com o EP “Linguagem”

*Matéria originalmente publicada no site Scream & Yell.
Considerada um dos grandes nomes do post-rock brasileiro, a banda paulistana E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante retornou aos holofotes com “Linguagem” (2023), lançado no final de outubro de forma digital pela Balaclava Records. O EP é o quinto registro do quarteto formado por Lucas Theodoro (guitarra, baixo e sintetizador), Luccas Villela (baixo e guitarra), Luden Viana (guitarra e sintetizador) e Rafael Jonke (bateria) colocando um fim ao hiato de cinco anos desde o bem-sucedido disco “Fundação” (2018), um dos fatores responsáveis por colocar a banda na trilha de festivais como Lollapalooza (SP), Bananada (GO), Sonido (PA) e LeRock Fest (Chile) em 2019.

O EATNMPTD tinha planos de seguir a maré favorável, mas a pandemia veio e se mostrou um obstáculo intransponível. “Nós só voltamos a trabalhar efetivamente quando as coisas melhoraram e estávamos vacinados e esse é um dos motivos pela distância grande entre os lançamentos”, conta Luden. Os últimos anos trouxeram muitas mudanças pessoais e profissionais para os membros do grupo – entre eles o anunciado deslocamento de Luccas Villela para fora do Brasil. “Em dado momento da pandemia estávamos mais preocupados com a saúde psicológica de nós quatro do que com o futuro da banda ou algo do tipo”, afirma Lucas Theodoro. “A gente voltou a fazer música a partir do momento que conseguimos digerir a coisa toda como coletivo”, justifica o músico.

E se esse período de reaprender a se comunicar como banda resultou em um EP intitulado “Linguagem”, não pode ser muita coincidência que a obra traga uma faixa batizada de “Bruce Willis”. Em 2022, o ator norte-americano foi diagnosticado com afasia (uma condição que causa incapacidade de compreender ou formular linguagem devido a danos em partes do cérebro) e, mais tarde, descobriu-se que ele sofre de uma demência frontotemporal. Com uma baita liberdade de licença poética, “Bruce Willis” pode servir como metáfora para o redescobrimento da linguagem entre os músicos após a pandemia, mapeando as quatro faixas em cerca de 20 minutos, começando com uma colagem sonora quase ambient (“Ausente”), passando por mudanças de andamento e dedilhados contemplativos (“Oblívio”) e até mesmo a momentos etéreos reminiscentes de Angelo Badalamenti na trilha de Twin Peaks (no início de “Infamiliar”).

Os preparativos de “Linguagem” duraram quase dois anos, divididos entre a capital paulista (no Estúdio Costella) e retiros no interior do Estado (no Estúdio Sítio Romã), com a banda assumindo a frente total na produção. “Esse tipo de controle técnico e criativo fez com que chegássemos num resultado sonoro que realmente tem a cara de nós quatro” pontua Theodoro, que também assina a engenharia da gravação com Gabriel Arbex (Zander) e Rafael Carvalho. A mixagem ficou a cargo de Gabriel Arbex e a masterização de Fernando Sanches, no Estúdio El Rocha. A capa é assinada pela arquiteta e gravurista Beatriz Carvalho. Em entrevista por e-mail, a banda contou ao Scream & Yell um pouco sobre como foi o processo de composição do novo EP, reflete sobre a cena independente e instrumental no Brasil e também entrega uma ideia dos próximos passos do grupo. Confira o papo na íntegra abaixo.

Existe um hiato de cinco anos entre o “Fundação” e este novo EP. O que rolou com a banda durante esse tempo?
Luden: O “Fundação” e o “Linguagem” passam por situações curiosas e muito diferentes do que esperavam de nós. Na época do disco (“Fundação”) precisávamos de um LP pra dar alguns passos maiores. Tocamos em muitos lugares do Brasil. Tocamos no Lollapalooza. Saímos do país pela primeira vez para tocar. Tínhamos muitos planos pra começar a fazer coisas novas, mas a pandemia veio e brecou tudo. Nós só voltamos a trabalhar efetivamente quando as coisas melhoraram e estávamos vacinados e esse é um dos motivos pela distância grande entre os lançamentos. É curioso ter gente perguntando onde estávamos ou se a banda acabou, quando na realidade nós trabalhamos da maneira mais ética possível com os acontecimentos que todos nós vivemos. Apesar disso acho que foi a primeira vez que me senti calmo com as composições, sem nenhum tipo de pressão externa ou necessidade de cumprir com qualquer coisa exceto nossa vontade de lançar algo que gostássemos.

Theodoro: Esses últimos anos foram de muitas mudanças pessoais e profissionais pra nós quatro, pra além da banda. Em dado momento da pandemia estávamos mais preocupados com a saúde psicológica de nós quatro do que com o futuro da banda ou algo do tipo. A gente voltou a fazer música a partir do momento que conseguimos digerir a coisa toda como coletivo. Apesar das pessoas terem esse olhar de “retomada” da banda, acho que estamos no momento mais saudável da nossa existência e o “Linguagem” é muito fruto disso.

“Fundação” é um disco cheio com dez faixas e o “Linguagem” tem quatro composições, similar aos lançamentos anteriores. O que fez o grupo voltar a esse formato mais enxuto? Existem outras ideias que ficaram de fora deste EP?
Villela: A pandemia fez com que nossas rotinas ficassem desencontradas. Precisávamos trabalhar e tudo isso acabou fazendo a gente ter menos tempo de se encontrar, fazer ensaios e compor. Mesmo assim a urgência de tocar estava lá, todas as vezes que a banda se encontrou, falávamos de fazer músicas novas pra lançar algo novo. O lançamento do EP acabou vindo da vontade de lançar algo depois de muito tempo e, ao mesmo tempo, minha saída do Brasil. Temos várias ideias de som que ficaram de fora, algumas foram desenvolvidas parcialmente, provavelmente ficarão pro próximo álbum. Ideias nesses últimos anos não faltam, tem muita coisa por desenvolver ainda.

Luden: É também um formato que gostamos muito e nos sentimos confortáveis criando dentro dele.

As liner notes do EP afirmam que a bateria foi gravada no Estúdio Sítio Romã no interior de São Paulo e guitarras, baixo e sintetizadores no Estúdio Costella, na capital. Ainda assim, as músicas possuem uma certa vibe de sessões de improviso ao vivo, com uns crescendos e mudanças de ritmo como se os músicos estivessem olhando um para o outro enquanto estão tocando. Como vocês chegaram nesse resultado?
Villela: Não foi muito pensado esse lance de sessão de improviso. Fazemos as coisas de forma muito colaborativa, sempre um vem com uma ideia inicial e depois os outros vão propondo dentro da melodia ou riff proposto, talvez seja isso que dê essa cara de improviso, a música toma corpo meio como colcha de retalho.

Theodoro: Acho que tem muito menos de improviso envolvido no nosso processo de composição do que as pessoas imaginam (risos). Sempre fomos muito regrados em relação à estrutura das músicas e tempo de duração das coisas. Se uma parte de determinada música se repete três vezes é muito provável que em algum momento testamos tocar ela duas vezes e pareceu curta demais e quatro vezes repetitivo demais. Claro que isso é dentro de um processo onde os quatro [integrantes] estão tentando desenvolver suas ideias em cima de algum tema ou algo do tipo. Acho que toda criação tem momentos caóticos (principalmente quando envolve quatro pessoas e muitos instrumentos de fazer barulho), mas a parte que faz com que as nossas músicas tenham uma “cara nossa” é justamente o nosso jeito de lapidar e dar forma a tudo isso.

Rafael: Apesar da maneira como sempre fizemos as composições, que consiste basicamente em desenvolver juntos uma primeira ideia, acho que muito do que se ouve e se sente nesse novo trabalho tem a ver com a forma como nos relacionamos durante o processo, desde que decidimos de fato que gravaríamos novas faixas. Com mais tempo, menos pressão e muito mais diálogo, pudemos criar e dar forma para as ideias, aproveitando ao máximo as nossas criatividades individuais, e também tendo mais cuidado em lapidar cada coisinha pra que chegássemos nesses resultados. Acredito que o que essas músicas proporcionam tem diretamente a ver com as nossas relações como pessoas, com nosso amadurecimento, com as nossas vidas mesmo.

O EP é também o último registro do baixista Luccas Villela em terras brasileiras. Com ele morando fora do país, como vai ficar a formação da banda agora?
Theodoro: Esse ano estamos focados em fechar a primeira parte do ciclo de lançamento do “Linguagem”. Mas temos conversado muito sobre as possibilidades daqui em diante. Não existe ninguém que irá entrar para a banda no lugar dele, mas contamos com alguns amigos que já colaboraram conosco para assumir o baixo nos shows. Em paralelo estamos pensando em colaborações com outros artistas, planos de entrar em estúdio novamente ano que vem, entre outras coisas. Enfim, a banda virou pra nós novamente um porto seguro de criações e possibilidades e estamos tomando nosso tempo pra explorar isso.

O Brasil sempre teve um histórico de grupos instrumentais e nos anos 2010 até ocorreu um certo boom dessa vertente, mas parece que essa cena não está mais tão aquecida. Por exemplo, o festival Produto Instrumental Bruto (que durou 11 anos em São Paulo e teve sua última edição em 2018) não existe mais e vocês até hoje são a única banda instrumental a ter tocado no Lollapalooza, um dos principais eventos musicais do país. Como vocês enxergam tudo isso? A cena instrumental brasileira é renegada ou é apenas mais um reflexo da situação da cena independente em geral?
Luden: Parte do motivo de estarmos aqui hoje creio que tenha sido a influência desse boom de bandas instrumentais na nossa adolescência. Ir em shows do Hurtmold, Constantina, Macaco Bong, Pata de Elefante entre outras criou uma certa mentalidade de que era possível, muito embora a gente nunca tenha imaginado que estaríamos aqui 10 anos depois. No nosso começo a vontade era de tocar, ser uma banda, se divertir fazendo música e nessa lógica começamos a tocar com todo mundo que estava próximo, sem necessariamente tentarmos tocar com outras bandas instrumentais. Com o tempo isso virou algo que buscávamos quando produzíamos nossos próprios eventos: sempre ter a gente e mais uma banda que não fosse instrumental. Nós nunca tentamos fazer parte de uma cena instrumental porque sempre nos encaramos como uma banda e ponto. Nossa inserção nos rolês nunca foi permeada por fazer um tipo a ou b de música e acho que isso nos abriu muito mais portas do que fechou.

Rafael: Pra além de qualquer coisa, é fato que viver na cena independente não é uma tarefa fácil, pra qualquer banda que seja. Mas ainda mais se o seu tipo de som estiver nichado, ou se você fizer com que sua banda fique nichada. Nós vivemos boa parte desse período ‘áureo’ da música instrumental independente, podendo participar também de festivais como o PIB, que davam lugar a essa vertente. E foi justamente na sua última edição, dois anos antes da pandemia. O que eu acho que entra como um dos fatores principais de não só a cena instrumental, como ela como um todo ter sentido drasticamente esse tempo sem poder trabalhar, respeitando limitações e tudo mais. Daqui pra frente eu acho que as coisas podem, sim, voltar a acontecer pra quem quer fazer música dessa forma e de qualquer outra. O Brasil é muito plural e acredito que tenha lugar pra todo mundo.

Até o momento a banda anunciou um único show de “Linguagem” no dia 12 de novembro na Casa Rockambole (SP). Existem mais datas futuras marcadas? E em outras cidades?
Theodoro: Ainda não temos uma agenda de shows. Mas entre os vários planos que temos, voltar a viajar por aí e tocar essas novas músicas pelo Brasil com certeza está na lista.

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