terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Radiohead e a estranha alegria de Thom Yorke

Dançando como no clipe de "Lotus Flower", líder da banda aproveitou para cantar duas inéditas no primeiro show da turnê do disco The King of Limbs


*Matéria originalmente publicada no site da revista Rolling Stone Brasil.

Muita gente torceu o nariz para o Radiohead depois do lançamento do álbum The King of Limbs, no ano passado. Tão difícil quanto o experimental Kid A, o disco descarta refrãos fáceis e melodias grudentas, optando pela mistura de percussão com música eletrônica e trazendo à tona, à primeira vista, os momentos mais introspectivos do grupo. Mas essa qualidade "hermética" caiu por terra no primeiro show da nova turnê da banda, em Miami, nesta segunda-feira, 27.

Se o clipe de "Lotus Flower" virou sucesso de internet por conta da dança performática de Thom Yorke - que antes era restrita apenas aos momentos mais dançantes de músicas como "Idioteque" e "The National Anthem" -, o que se vê no Radiohead agora é que as novas composições servem como meio para extravasar ainda mais essa forma de expressão do líder do grupo. Ao subir no palco da American Airlines Arena trajando camisa branca, colete preto, calças vermelhas e ostentando um curto rabo de cavalo, Yorke pareceu passar por cima do espectro dos anos 90 e da imagem do rockstar desolado que construiu para si na época.


E essa tendência também é conivente com o repertório do show. The King of Limbs foi tocado praticamente na íntegra (apenas "Little By Little" ficou de fora). Clássicos dos dois primeiros discos foram ignorados, e foram incluídas somente três músicas da célebre era OK Computer – "Airbag", "Karma Police" e o improvável lado-b "Meeting in the Aisle". Além disso, o grupo também aproveitou para debutar ao vivo duas composições inéditas, "Identikit" e "Cut a Hole", que solidificam a tônica da vez do Radiohead: canções construídas por repetições eletrônicas e escassez de guitarras, mas com o potencial percussivo reforçado pela participação de Clive Deamer (jazzista que já colaborou com nomes como Portishead e Jeff Beck) como baterista adicional na nova turnê.

Com o repertório renovado por essa nova química e um palco com pequenos telões e luzes com efeitos variados, músicas como "The National Anthem", "Morning Mr Magpie", "Feral" e, logicamente, "Lotus Flower" desencadearam a catarse no público e renderam boas oportunidades para que um agitado Yorke trocasse as guitarras por teclados e fosse à beira do palco arriscar passos de dança com movimentos semelhantes a surtos epiléticos (como os de Ian Curtis, do Joy Division). Claro, o Thom Yorke depressivo e esquisito não ficou definitivamente para trás (ele ainda apareceu em faixas arrastadas conduzidas ao piano, como "You And Whose Army?" e "The Daily Mail"), mas pode-se dizer que ao menos nesta noite Yorke estava mais carismático do que triste.


Nem mesmo um erro técnico do guitarrista Jonny Greenwood em "Give Up The Ghost" estragou a espontaneidade de Yorke: ao perceber que o músico passava por problemas com sua aparelhagem, o vocalista parou de tocar o violão e recomeçou a canção. O frontman parece ter deixado de lado a postura insegura e cheia de autocomiseração de antes, tanto que, durante o segundo bis, fez questão de puxar o coro da plateia ao final de "Karma Police", como aconteceu nas apresentações que o grupo fez no Brasil, em março de 2009. E o esquisitão foi prontamente correspondido pelo público: "and for a minute here I lost myself, I lost myself...".


Veja abaixo o set list do show:

Bloom
The Daily Mail
Morning Mr Magpie
Staircase
The National Anthem
Meeting in the Aisle
Kid A
The Gloaming
Codex
You and Whose Army?
Nude
Identikit
Lotus Flower
There There
Feral
Idioteque
Separator

Primeiro Bis:

Airbag
Bodysnatchers
Cut a Hole
Weird Fishes/Arpeggi

Segundo Bis:

Give Up The Ghost
Reckoner
Karma Police

Mais vídeos do show aqui.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Mark Lanegan Band e o bate-estaca melancólico de Blues Funeral

*Resenha originalmente publicada no Urbanaque.


Para os músicos que tiveram participação no estouro do chamado 'som de Seattle' durante os anos 90, lançar material novo e relevante até hoje é no mínimo uma proeza tão notável quanto permanecer vivo – vide casos como o de Kurt Cobain e Layne Staley. Mas não é exagero afirmar que Mark Lanegan tem marcado pontos nestes dois quesitos: dono de uma voz grave talhada por anos de abusos com cigarro, álcool e drogas, o cantor deixou os vícios de lado e atualmente goza de uma posição privilegiada no cenário musical. Seus álbuns e colaborações com nomes como Queens of the Stone Age, PJ Harvey, Ween, UNKLE, Twilight Singers, entre outros, lhe conferiram um prestígio à sua carreira solo que hoje é ainda maior do que o status atingido por sua finada banda Screaming Trees.

Em seu sétimo álbum, Lanegan dá fim não somente ao hiato de sete anos sem lançar discos como também a essa sensação de 'área de conforto' em sua carreira. A faixa de abertura, "The Gravedigger’s Song", é uma das canções mais pesadas que Lanegan já gravou e emula um pouco do som robótico do Queens of the Stone Age, mas ela é apenas uma pista falsa no disco; a tônica de Blues Funeral é o estilo mórbido característico do cantor mergulhado em fortes doses de – quem diria – synthpop oitentista.

Esse direcionamento eletrônico pode parecer improvável para um cantor que executou boa parte de seus primeiros discos com instrumentos acústicos, mas na verdade Blues Funeral presta tributo a bandas como Crime & The City Solution, Joy Division, Kraftwerk e New Order – todas velhas influências confessas de Lanegan que ainda não tinham aparecido de forma tão marcante em seu trabalho. Um novo método de composição baseado em sintetizadores e baterias eletrônicas também foi determinante para esse rumo.

E a nova química funciona de forma que nada soa forçado: faixas como "Bleeding Muddy Water" e "St Louis Elegy" se destacam como verdadeiros mantras climáticos com a interpretação blueseira de Lanegan. A produção de Alain Johannes peca pelo exagero em alguns momentos, como na desnecessária "Tiny Grain of Truth" – que se perde em longos experimentalismos com guitarras gravadas ao contrário – e na pauleira "Quiver Syndrome", que é quase estragada pelo excesso de barulhinhos com sintetizadores, mas é salva por uma guitarra nervosa. "Riot In My House" traz participação de Josh Homme e talvez por isso pareça um híbrido de Screaming Trees e Queens of the Stone Age. Mas o grande momento das guitarras em Blues Funeral não é carregado de distorção, mas sim de delays: as linhas de "Harborview Hospital" remetem ao estilo de The Edge nos melhores momentos do U2, mas com um toque gótico nos sintetizadores.

A temática eletrônica do disco pode ser resumida com "Ode to Sad Disco" (baseada em "Sad Disco", do cineasta Keli Hlodversson). Como o próprio nome já entrega, essa seria a música mais dançante do álbum, ainda que completamente lúgubre. Um ritmo semelhante ao de "Kids" do MGMT toma conta dos alto-falantes e antes que você possa se questionar 'que porra é essa?', o vocal de Lanegan surge e confere ao bate-estaca uma interpretação melancólica que faria Ian Curtis abrir um sorriso – ou abaixar a cabeça em consentimento.

Buscar renovação em uma tendência que grande parte das bandas de rock que formavam o mainstream do fim dos anos 90 (como Smashing Pumpkins, Bush e Garbage) seguiram parecia fadada ao fracasso, mas o mais surpreendente é que Blues Funeral funciona. Os fãs mais puristas da fase folk de Lanegan já foram avisados a se acostumar com essa sonoridade, visto que o disco anterior – Bubblegum, de 2004 -, já dava indícios de baterias eletrônicas e sintetizadores na faixa "Can’t Come Down". Junte isso e as participações nos discos do duo Soulsavers e o direcionamento do vocalista para uma praia mais eletrônica aparece como uma consequência natural. Ponto para Lanegan, que se arriscou um pouco, mas não deixou de acertar no que sabe fazer de melhor: interpretar suas próprias angústias de forma cativante.

NOTA: 3 urbs.