quarta-feira, 27 de abril de 2011

Foo Fighters redescobre o bacon com Wasting Light

*Resenha originalmente publicada no Urbanaque.


Para o sétimo disco do Foo Fighters, Dave Grohl decidiu revisitar as próprias origens: convocou seu ex-parceiro de Nirvana, Krist Novoselic, para uma participação e recrutou o produtor de Nevermind, Butch Vig, para registrar a nova empreitada de maneira totalmente analógica (utilizando o bom e velho gravador de rolo) na garagem da própria casa. Como se não bastasse, o líder do Foo Fighters também chamou um de seus ídolos, Bob Mould – do lendário Hüsker Dü e Sugar – para fazer alguns backing vocals.

O novo álbum recicla uma receita que agrada muitos fãs carentes da fase inicial da banda: composições pesadas, mas com uma brilhante sensibilidade pop. Analisando por um exemplo bem simples, digamos que o primeiro disco do Foo Fighters foi um belo cheese picanha: nada muito superproduzido ou difícil de fazer, somente pauleira com melodias grudentas. The Colour and the Shape foi um divisor de águas na carreira do grupo, apresentando um som pesado e mainstream – quase como se Dave tivesse descoberto um manjar dos deuses ao colocar bacon no cheese picanha. Mas a partir daí, o gourmet Grohl quis experimentar e perdeu a linha, misturando vários molhos exóticos (os exagerados In Your Honor e Echoes, Silence, Patience & Grace) no hambúrguer. De tanto ter indigestão com as últimas misturebas, Grohl resolveu voltar à infalível fórmula do cheese picanha com bacon. Ou seja: guitarras pesadas com refrões melódicos.

Distante dos excessos dos últimos registros que continham mais faixas irrelevantes do que dignas de nota, Wasting Light pode ser facilmente apontado como o melhor trabalho melódico do Foo Fighters desde o radiofônico There is Nothing Left to Lose.

Esse retorno à velha forma também é reforçado pela volta do guitarrista Pat Smear, que abandonou o grupo logo após o lançamento do segundo álbum. Smear gravou suas partes com uma guitarra barítono (basicamente um instrumento de corda com afinação mais grave que o normal), realçando o peso na nova formação do grupo, com três guitarristas – Grohl, Smear e Chris Shiflett.

"Bridge Burning", a faixa de abertura, lembra o ritmo frenético de "Monkey Wrench", porém mais gritada. "Rope" é o perfeito single: guitarras pesadas (mas que não assustam os mais puristas) complementadas por um refrão melódico. "Dear Rosemary" e "Arlandria" são belos exemplos de como a equação "melodia + peso" resultam em composições ganchudas. Essas canções têm princípios tão assimiláveis que poderiam ao mesmo tempo fazer parte do repertório de artistas tão distintos quanto Wilco, Ramones ou até mesmo o saudoso Roxette. Essa busca pela música pop perfeita dentro do contexto roqueiro expõe uma possível influência beatle – não é à toa que o Foo Fighters emulou a banda de Liverpool ao tocar no Late Show With David Letterman.

"White Limo" é talvez a música mais pesada que a banda já gravou. Seu vocal gritado remete à "Weenie Beenie" e também chega a lembrar algo das explosões vocais histéricas que Nick Olivieri fazia no Queens of the Stone Age. A faixa é uma pedrada perfeita para fazer com que os fãs voltem a pogar como se tivessem 15 anos novamente.

O pretensiosismo dos últimos discos aparece apenas no arranjo de cordas em alguns momentos de "I Should Have Known", mas não é nada que possa estragar a canção, que é a mais bem-trabalhada do disco. A banda perde um pouco o ritmo enérgico nas últimas faixas, mas elas logo são salvas por refrões fortes – como no caso de "These Days", "Back & Forth" e "Walk", que encerra o álbum. Nesta última, Grohl se mostra um pouco desolado: "Estou aprendendo a andar novamente / acredito que já esperei o bastante / por onde eu começo? Estou aprendendo a falar novamente / Você consegue ver que eu já esperei o bastante ? / Por onde eu começo?". Mas essa consternação é bem diferente da melancolia que permeava a trajetória do Nirvana.

Diferente de Kurt Cobain, Grohl não é exatamente um letrista autobiográfico e visceral: grande parte das letras de Wasting Light chega a ser genérica, resumindo-se a encaixes simples na métrica das melodias. Se por um lado isso depõe contra a intensidade das músicas, por outro demonstra a vocação de Grohl para criar rocks de arena facilmente assimiláveis. Dave provavelmente sempre teve esse talento, mas no início da banda essa aptidão era ofuscada pelo contexto grunge no qual o Foo Fighters foi incluído.

Em suma, Wasting Light apresenta um Foo Fighters revigorado, não por condimentos musicais esparsos e combinações excêntricas de paladar como nos últimos trabalhos, mas pelo infinito de possibilidades que somente guitarras, baixo e bateria podem render nas mãos desses caras. Depois de tanto caviar em outras despensas, é bom ver que o sabor do bacon ainda pode render muito na cozinha de Dave Grohl e companhia.

Nota: 4 urbs

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Tiê vai da melancolia ao country em novo show


Apesar do pouco tempo de carreira – o primeiro disco Sweet Jardim foi lançado em 2009 -, a cantora Tiê já arrebanhou um séquito considerável de fãs que vai além do underground paulistano. Com o Auditório Ibirapuera lotado na sexta-feira (dia 8), o repertório do show de lançamento de seu novo disco, O Coração e a Coruja, foi da melancolia à vivacidade country.

Se Sweet Jardim era calcado quase que inteiramente em arranjos minimalistas de violão e piano de Tiê com detalhes do produtor e multi-instrumentista Plínio Profeta, o novo álbum apresenta uma nova direção, com a introdução de elementos como bateria, guitarras, baixo, violoncelos, clarinetes, acordeon e participações de Tulipa Ruiz, Thiago Pethit, Hélio Flanders (Vanguart), Jorge Drexler, Jessé Sadoc e Marcelo Jeneci.

No show de estreia, Tiê foi acompanhada por banda composta por seu irmão Gianni Dias (baixo e vocais), Naná Rizinni (bateria), André Henrique (violão), Ana Eliza e Luciana Rosa (violoncelos e clarinete), Karina Zeviani (backing vocal, que já tocou com Thievery Corporation e Nouvelle Vague), além da presença de Plínio Profeta nas guitarras. O guitarrista, que também fez a direção musical do espetáculo, manteve os olhares voltados para os outros músicos, dando deixas sutis nas passagens entre as partes das canções.

Começando o show com "Na Varanda Da Liz", faixa composta por João Cavalcanti (do grupo Casuarina), a cantora demonstrou timidez no início, talvez fruto de nervosismo ao apresentar as novas músicas ao público. Mas a partir da versão mais cadenciada de "Só Sei Dançar Com Você" de Tulipa Ruiz, Tiê foi se soltando aos poucos, fazendo comentários espontâneos entre as canções.



Ainda que o novo trabalho seja permeado de participações especiais, Thiago Pethit foi o único convidado a subir no palco (além de Karina Zeviani dividindo os vocais em "Já É Tarde"), para fazer um dueto em "Mapa Mundi". Mesmo que as músicas novas apresentem arranjos mais alegres em comparação ao álbum anterior, o show teve momentos melancólicos, como em "Te Mereço" (que pode ser considerada uma música-irmã de "Te Valorizo") e "Perto e Distante", com Gianni Dias fazendo as vezes de "Jorge Drexler do Paraguai", segundo a própria Tiê.

Durante "Passarinho", já conhecida do álbum anterior, os músicos fizeram um intervalo e deram espaço para que Tiê e Plínio executassem a canção usando apenas violão e notas sutis na guitarra, da mesma forma crua que eram realizados os shows da primeira turnê. O momento intimista foi adornado com uma surpresa: a parte traseira do palco do auditório se abriu, dando uma visão noturna do Parque Ibirapuera. O momento mais emocionante do show foi devidamente recebido pela platéia com palmas calorosas.



Após a parte serena da performance, Tiê costurou uma sequência inclinada ao country, tocando "Pra Alegrar O Meu Dia", "Já É Tarde" e "Hide And Seek", marcando a porção mais vigorosa do show. O público demonstrou a mesma empolgação quando surgiu a improvável "Você Não Vale Nada" de Dorgival Dantas – sim, aquela música insuportável que o Calcinha Preta fez virar trilha de novela da Globo -, em uma versão com violões quase flamencos.

A combinação "interpretação sem vocais exagerados + carisma quase ingênuo" da artista paulistana cativa o público, independentemente da canção que está sendo tocada. "Chá Verde" sinalizou o final da apresentação, que ainda teve "Assinado Eu" e "Na Varanda Da Liz", tocada novamente para fechar o bis em um clima "pra cima".