sexta-feira, 27 de abril de 2012

Melvins e Unsane no The Social, em Orlando

Em turnê do disco novo, Melvins toca inéditas, faz cover de Wipers e dá aula de riffs pesados sem virtuosismo


*Resenha originalmente publicada no site da revista +Soma.

O Melvins é daqueles grupos que costumam ser mais lembrados pelos conjuntos que influenciaram do que pela própria obra. Juntamente com os contemporâneos U-Men, Green River e Skin Yard, a banda é considerada seminal para o que viria a ser o famoso ‘som de Seattle’, estourado por expoentes como Nirvana, Pearl Jam e Soundgarden na década de 90. Porém, a trajetória do Melvins provou ser maior do que a de seus pares: hoje estabelecido em Los Angeles, o grupo mantém uma carreira prolífica, com shows frequentes e mais de vinte lançamentos – sendo o último deles, o EP The Bulls & The Bees, de março deste ano. E foi com a turnê de divulgação deste trabalho que o grupo aportou no último dia 23, no The Social, casa de shows em Orlando (Flórida).

Para a excursão atual, o Melvins conta com o trio novaiorquino de noise rock Unsane – outro nome significativo do underground norte-americano – como banda de abertura. Apesar de uma trajetória errática, que inclui discos abortados, agressões em shows (o vocalista/guitarrista Chris Spencer foi atacado em um concerto em Viena, o que levou a banda a um hiato de três anos) e troca de integrantes, no palco o Unsane apresenta um punk rock similar ao do Shellac de Steve Albini, mas com pitadas agressivas de hardcore e metal.


Não bastasse o peso habitual, o Unsane ainda contou com um belo amplificador de pegada rítmica para esta apresentação: a dupla de bateristas do Melvins, Coady Willis (que ingressou na banda em 2010, via Big Business) e Dale Crover, revezou as funções com as baquetas entre as músicas, porque o baterista original, Vinnie Signorelli, estava hospitalizado. O rodízio empreendido por Willis e Crover chegou ao fim nas últimas canções do set, com os dois tocando simultaneamente e dando uma pequena prévia do que viria a seguir. O Unsane deixou o palco ovacionado por uma plateia empolgada, depois do cover de “Ha Ha Ha”, do Flipper.

Em seguida, a trilha de uma ópera satírica serviu como música de abertura para que Wilis e Crover fizessem algumas peripécias percussivas, enquanto o baixista Jared Warren regulava seus pedais de efeito. Eis que Buzz Osbourne aparece no palco, exibindo seu inconfundível penteado afro grisalho e vestido com uma túnica negra longa como um hábito de freira. O líder do Melvins plugou sua guitarra de corpo transparente e fez sinal para os outros membros, avisando que estava pronto para iniciar o show.


Com a primeira música do set, “Dog Island”, o Melvins já mostrou a que veio: riffs distorcidos, vocais graves e longos intervalos de intensas percussões que surgiam em proporção tão grande quanto a extravagância – visual e musical – de seus integrantes. Mesmo que a banda seja reconhecida por composições extensas, marcadas pelo peso ultra-lento, ao vivo essa tônica não apresenta momentos irregulares, mas alguns instantes de contemplação, como na quilométrica introdução de “Hung Bunny”, na qual Buzz deixa sua guitarra ecoar notas distorcidas até o limite do suportável.

Segundo a produção da banda, Osbourne estava doente e, para poupar a voz, evitaria dar entrevistas. Mas, com Warren dividindo os microfones – o baixista tem um timbre vocal bem similar ao do guitarrista – e as ocasionais participações vocais de Crover e Willis, a performance não foi prejudicada. A interação entre as vozes foi bem precisa em “The Water Glass”, que começa com um riff pesado e baterias matadoras, somente para depois cessar o turbilhão sonoro e dar lugar a um possante coro inesperado, com cadência de marcha militar, envolvendo toda a banda.


Assim como o Unsane, o Melvins reservou um tempo de sua apresentação para homenagear uma de suas influências. Ao tocar “Youth of America” dos Wipers, percebe-se que as habilidades dos músicos deve mais à herança de bandas como Flipper, Swans e Black Flag do que ao Black Sabbath, a quem o Melvins é comumente associado por críticos desavisados. Neste número, a sujeira de riffs repetitivos com afinação baixa e sonoridade metálica dá lugar à raiz punk de Buzz, com solos noise simples dedilhados em um ritmo frenético, mas sem os exageros virtuosos dos guitarristas de metal.

Depois de tocar “A Growing Disgust”, faixa inédita de seu próximo disco (Freak Puke, com previsão de lançamento em junho), o Melvins concentrou o final do setlist em The Bulls & the Bees, embarcando no momento mais forte da banda ao vivo. As duas baterias, montadas lado a lado, conferem um espetáculo à parte: Coady Willis (canhoto) e Dale Crover (destro) parecem tocar ao lado de um espelho, tamanha sincronização. Apesar de já ostentar 44 anos e uma forma mais arredondada do que em seus tempos áureos, Crover ainda faz jus ao posto de pioneiro no estilo de caras como Dave Grohl e Matt Cameron.


O ritmo cai durante “A Really Long Wait” (que por sinal tem um título muito apropriado), apenas para que a cadência rasgada de “National Hamster” presenteie o público com mais uma dose de riffs. Ao emendar as canções de seu setlist, Buzz e seus asseclas não só evitam o cansaço do público, como também a necessidade de interagir com a plateia. Somente no final da última música, “The Bit”, Warren foi ao microfone deixar um “obrigado e boa noite”. Com todos os membros aparentemente satisfeitos, a banda saiu do palco sem bis. Não precisava: a plateia já estava satisfeira com o reinado de terror de King Buzzo e a surdez parcial do dia seguinte.


Setlist:

Dog Island
Hung Bunny / Roman Dog Bird
The Water Glass
Evil New War God
Manky
A History of Bad Men
Youth of America (cover do Wipers)
A Growing Disgust
The War on Wisdom
We Are Doomed
Friends Before Larry
A Really Long Wait
National Hamster
The Bit