sábado, 16 de julho de 2011

Gastão Moreira sobre o rock atual: "espero que seja uma fase de mau gosto passageiro"

*Matéria originalmente publicada no Portal Vírgula.


Gastão Moreira é mais conhecido pelo seu trabalho como VJ da MTV Brasil de 1992 a 2000, quando apresentou programas como Gás Total e Fúria e catequizou várias cabeças para o rock n roll. Como guitarrista do Rip Monsters, lançou dois CDs independentes. Depois da MTV, comandou o programa Musikaos, na TV Cultura, por quatro anos.

Mais tarde, Gastão mudou-se para Florianópolis (SC) e assumiu o baixo na banda Kratera, com quem lançou mais dois CDs e capitaneou a programação rock do Gasômetro, na rádio Atlântida. Em 2006, depois de um extenso trabalho de pesquisa que durou quatro anso, lançou o DVD Botinada - A Origem do Punk no Brasil, documentário que conta os primórdios do movimento no País. Aparentemente sumido da cena roqueira, Gastão retornou a São Paulo no ano passado. Por e-mail, o jornalista contou ao Vírgula Música o que anda tramando e o que acha da música atual. Confira:


Primeiramente, quais seus projetos atuais e planos? O que você anda fazendo? Está com banda?

Minha banda Kratera acabou quando eu voltei para São Paulo, pois todos moram em Floripa. Lançamos três álbuns e tocamos bastante ao vivo, cumprimos nossa missão de apavorar bandas fofinhas (risos).

Fiz o Gasômetro por cinco anos na rádio Atlântida e tive uma casa de show underground em Floripa chamada Célula. Lancei o Botinada em 2006, documentário que narra a chegada do movimento punk ao brasil que consumiu quatro anos para ser feito. Hoje faço um programa chamado Lado H no Glitz (canal 95 da Net), antiga Fashion TV. O programa vai ao ar na segunda às dez da noite e fala sobre temas pertinentes ao homem contemporâneo. No ano passado fiz mais de cem pautas e nenhuma foi sobre música. Saí da minha zona de conforto (risos).

Você tem acompanhado a cena independente brasileira? Quais bandas você destacaria nesse balaio?

Ainda tem várias bandas de qualidade espalhadas pelo Brasil. Gosto dos mais audaciosos, como Cidadão Instigado, Emicida, Cachorro Grande e Macaco Bong. Mas em geral, estamos passando por um momento de marasmo, falta de inspiração e bandinhas ordinárias que se acham. Está na hora de alguém dar uma bica em tudo.

E quanto ao mainstream? O que você acha que vale a pena ouvir entre os artistas que fazem sucesso atualmente? Você também acha que esse povo do Happy Rock vai morrer de vergonha do passado daqui a uns anos?

Happy rock??? Dio mio!!! Passei oito anos em Floripa desconectado do mainstream por pura falta de interesse. A distância entre o que eu gosto e o que faz sucesso aumentou. Vejo fenômenos inconsistentes causando furor e bandas juvenis com um pé no sertanejo universitário. Espero que seja uma fase de mau gosto passageiro.

Pergunta difícil: qual a melhor banda/artista brasileiro na música, seja dentro ou fora do segmento do rock?

É uma pergunta subjetiva; fico entre Chico Buarque, Jorge Ben e Secos & Molhados.

A internet veio para facilitar a vida dos pesquisadores de sons e dificultar a das gravadoras. Por outro lado, praticamente a cada mês um site anuncia equivocadamente o "novo Nirvana" por aí. O que você acha disso?

Essa busca pelo próximo fenômeno sempre existiu, mas intensificou-se neste século. Vejo como fruto da impermanência e desapego com a música nos dias atuais. A internet reduziu os quinze minutos de fama a alguns segundos. Poucas dessas 'salvações' sobrevivem ao segundo disco; é difícil encontrar uma banda que sustente uma carreira mais longa, com vários álbuns lançados. O imediatismo consumista está matando a boa música. Apesar disto, pintaram boas bandas neste século, como TV on the Radio, Arctic Monkeys, Black Mountain, The Kills, Woven Hand, Asteroid nº4 e os projetos do Jack White (ex-White Stripes e atual Raconteurs e Dead Weather).

Qual o melhor show que você já viu? E o "sonho de consumo em forma de show"?

O show que me levou às lágrimas foi do The Who, em 1989, no Wembley Arena. Tocaram o [disco] Tommy inteiro, fizeram uma pausa de meia hora e voltaram para mais duas horas de alegria. Mas um sonho impossível de consumo seria assistir o Roxy Music em 1972.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Exportando rock: bandas brasileiras contam sobre experiências no exterior

*Matéria originalmente publicada no Portal Vírgula.


Toda banda sonha em viver de música, estendendo turnês para fora do país e girar o mundo, sendo guiadas pelas próprias guitarras. Anteriormente, esse era um objetivo quase utópico que poucas bandas brasileiras conquistaram - os exemplos mais conhecidos são Sepultura, Angra, Ratos do Porão, e mais recentemente, o CSS e o Bonde do Rolê. Porém, com a popularização da internet e o estreitamento das relações da cena independente, marcar shows em outro país não é mais um bicho de sete cabeças.

Por ser um festival interativo, o South by Southwest (SXSW), que acontece em Austin, no Texas, simboliza uma grande oportunidade para as bandas brasileiras nos Estados Unidos. O evento é um dos maiores festivais de música dos EUA. Em quatro dias de concertos, cerca de 2 mil shows acontecem em mais de 90 locais ao redor do centro da cidade.

"Surgiu a oportunidade para tocar lá pela primeira vez em 2009 pois teria um showcase de bandas brasileiras e fomos chamados", conta Marcelo Pata, vocalista e multi-instrumentista da banda paulista Holger. "Nunca achávamos que isso era possível, mas não existe muito segredo para tocar fora do Brasil".

Marcando shows por conta própria e contando com o apoio de contatos feitos com outras bandas, o grupo tocou em duas edições do SXSW (2009 e 2011), dois Pop Montreal International Festival, no Canadá (2009 e 2010) e um Canadian Music Week em Toronto (em 2011). "Estamos indo no segundo semestre para nossa terceira e maior turnê, com duração de um mês. Tocaremos no Pop Montreal de novo e no CMJ [College Music Journal, em Nova York] pela primeira vez", comemora o músico.



Outra banda que se encaixou no SXSW foi o Some Community. "Sempre quisemos participar do festival e nos inscrevemos sem pretensão de conseguir. Felizmente rolou o convite, daí nos reunimos e pensamos em investir em uma turnê lá fora", conta Fernando Fernandes, guitarrista do grupo. O Some Community saiu do Brasil para fazer sua primeira turnê com 12 datas no exterior em março, passando por Estados Unidos e Canadá. "Tocamos em Nova York, Washington, Filadelfia, Boston, Toronto, Detroit, Chicago e em Austin, no SXSW".

Logicamente, apresentar trabalho autoral em inglês facilita a identificação por parte do público estrangeiro. "Tivemos a idéia de fazer um excursão para o exterior há um bom tempo, e o fato de cantar em inglês ajuda nas decisões de turnês e divulgações fora do Brasil", opina o baixista Molinari, do The Name. EM 2009, a banda sorocabana também recebeu convite para tocar no SXSW e alinhou uma apresentação no Canadian Music Week e no V.O.V. Festival, no Arkansas. O grupo pôde arcar com os custos da empreitada por meio da extinta Lei de Intercâmbio Cultural, do Ministério da Cultura brasileiro.

Representante do metal, a Shadowside já perdeu a conta do número de shows que realizou fora do Brasil. "Tenho a conta do número de países: foram 20 até hoje, sendo Estados Unidos e 19 na Europa", contabiliza a vocalista Dani Nolden, que apesar do número expressivo de apresentações, garante que a banda não teve pressa para trilhar o caminho internacional. "Não queríamos fazer shows fora do País sem que estivéssemos preparados para isso, então tocamos bastante no Brasil antes de aceitar os convites".

Nesse processo de preparação, a Shadowside abriu shows para grandes expoentes do segmento metal em apresentações no Brasil, como Nightwish, Primal Fear e Shaman, até vencer o concurso de bandas do Indianapolis Metal Fest, em 2007. "Na segunda vez que participamos do festival, éramos uma das bandas principais, não mais a abertura", conta Dani. Com isso, a Shadowside despertou as atenções também da Europa, tocando na Espanha, Romênia e Bósnia-Herzegovina.



E a língua pátria? Tem chance?

Mas para tocar fora do Brasil é obrigatório cantar em inglês? Não necessariamente: o sexteto paulista Garotas Suecas garantiu em setembro de 2010 uma turnê com 28 datas por cidades americanas como Nova York, Los Angeles, São Francisco e Chicago tocando um repertório exclusivamente em português, com a sonoridade calcada em influências de jovem guarda, rock psicodélico, funk e soul. "O contato com o público estrangeiro fez reafirmar nossa 'brasilidade', afirma o guitarrista Tomaz Paoliello. "Todos adoram o português e ouvir música brasileira. Os brasileiros que ficam sabendo das nossas turnês no exterior cobram muito mais que cantemos em inglês do que os americanos", aponta.

A escalada da banda nos EUA começou com o guitarrista Sérgio Sayeg, que estava estudando em Nova York e conseguiu marcar quatro shows e a gravação de um programa de TV. Nessa primeira viagem, o grupo conheceu uma booking agent, que marcou as turnês seguintes. "Tocamos também na Austrália, na Espanha e em Portugal. No total já devemos ter feito mais de 60 shows fora do País", estima Paoliello.

A dinâmica de passar tanto tempo viajando requer seriedade e dedicação de todos os membros envolvidos. "Para as bandas que estão afim de fazer o mesmo, o lance é saber que vai ser uma ralação. Quando viajamos fazemos shows em sequência, toda a noite. Na última viagem aos EUA passamos cinco semanas e trinta shows quase todos em cidades diferentes. Viagem durante o dia e show à noite. Não tem vida fácil", avisa.



A grande procura por turnês fora do Brasil não expressa somente a realização de um sonho adolescente das bandas de atingir nível internacional; também revela certas deficiências no circuito nacional. Andy, guitarrista e vocalista do The Name, acredita que a cena tem crescido bastante, mas ainda carece de um pouco mais de profissionalismo, tanto na execução do trabalho musical quanto na contratação de artistas. "Os profissionais se sentem fazendo algum tipo de favor por tocar em uma determinada casa ou contratar um determinado artista. Acho que pouca gente entendeu que o mercado musical é 'business' e não apenas um monte de gente circulando atrás de esmola para tocar".

Apesar dos problemas, o circuito brasileiro de shows parece estar se estabilizando. "Enxergamos como um circuito que ainda é pequeno mas está crescendo a grandes passos", opina Pata. "Há ainda muito a se aprender. Tem muita gente sacando o quão ingênuo é nosso mercado e se aproveitando disso. É preciso saber usar as próprias pernas e cabeças para andar", conclui o vocalista.

Para Tomaz, o comprometimento dos envolvidos na cena independente é essencial. "Acho que o amadurecimento da cena independente passa pelas bandas, pelo público e pelos profissionais envolvidos. O 'ativismo' do público ao ir aos shows e comprar o disco, frequentar blogs de música, e correr atrás da música que quer ouvir é essencial para a cena rolar", opina.


Roubadas

OK, é muito legal mostrar seu trabalho lá fora para uma plateia diferente, mas... tocar em um país estranho também é sujeito a roubadas, como aconteceu com o Some Community. "Tivemos um show que não aconteceu na Filadélfia", conta Fernando. A banda marcou a data ainda no Brasil, mas ao chegar no local, constataram que o bar não tinha estrutura para fazer o show. "Poderíamos ter feito em um esquema improvisado, mas era arriscado. No final, foi bom porque aproveitamos para descansar em casa de amigos."

"As roubadas acontecem no Brasil e fora. É totalmente normal", afirma Tomaz. "Tem shows nos quais o som não está bom, acontece alguma coisa com equipamento. Nosso primeiro caso de quebra de van foi agora na Espanha, por exemplo. No Brasil, isso ocorreu apenas essa semana, quando íamos para um show em Bauru. Acontece lá e aqui".

Bruno, baterista do The Name alerta: "Dentre diversas coisas, tome primeiro cuidado ao alugar carros, que em geral têm diversas taxas adicionais nos valores de aluguel que a maioria de nós não sabe. Levamos um susto imenso quando fomos pagar o carro que alugamos e foi aquela correria para poder angariar mais limite nos cartões."



No caso da Shadowside, a situação foi tão complicada que quase pôs em risco a popularidade da banda com seus fãs em West Virginia, nos EUA. "Tínhamos um show marcado, porém fomos recebidos cedo na casa de show por um suposto técnico de som, dizendo que o dono não estava lá e que não haveria show, que não havia equipamento e mais várias outras desculpas", conta Dani. "Ele se recusou a pagar e acomodar a banda. Depois de muita discussão, simplesmente fomos embora para a próxima cidade e deixamos que nosso empresário na época cuidasse de tomar as medidas legais. Depois descobrimos que nossos fãs estavam furiosos, porque o show aconteceu apenas com as atrações de abertura e que ele nos acusou de não aparecer para tocar!".

Segundo a vocalista, as bandas sempre devem tomar cuidado com as pessoas com as quais elas se associam, sejam empresários, agentes e principalmente organizadores de eventos. "Se alguém te prometeu alguma coisa, faça com que eles cumpram antes de você sair de casa para tocar. Teríamos tocado aquele show mesmo sem que o promotor honrasse seu compromisso, apenas em respeito aos fãs, mas esse tipo de coisa não pode acontecer; pode acabar com a carreira de uma banda e causar prejuízos morais e materiais", conclui.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Sepultura: "Respeitamos nosso passado, mas não estamos presos nele"

*Matéria originalmente publicada no Portal Vírgula.


"Através destes olhos nós chocamos o mundo / sem medo algum, com cabeça forte / opressão e hostilidade / mas existe uma diferença: nós estamos livres". Os versos da faixa Spectrum dão uma boa idéia do que é o novo Sepultura. O título do 12° álbum da banda, Kairos, significa na mitologia grega um momento de oportunidade e mudança, revelando uma relação crucial com a situação atual do grupo. "Nós respeitamos o nosso passado, mas não estamos presos nele", explica o guitarrista Andreas Kisser. "Vivemos o momento com muita intensidade e é isso que o Kairos representa: o que é o Sepultura hoje."

O disco reflete em suas letras tudo o que o Sepultura tem passado nos últimos anos: turnês, conflitos, separações, apoio e reações adversas de fãs e críticos. "Este é um trabalho que é inspirado nos 26 anos de carreira e mudanças dentro e fora da banda. Temos músicas para as nossas famílias, falamos da relação com a imprensa, empresários, gravadoras, fãs e amigos. É um disco muito pessoal e íntimo", conta Kisser, que assina as letras do álbum em conjunto com o vocalista Derrick Green, que assumiu o posto após a saída nada amigável de Max Cavalera, em 1996. Seu irmão Iggor saiu dez anos depois, deixando a bateria a cargo de Jean Dolabella. Completa a banda o baixista Paulo Jr. – único integrante presente desde fundação do Sepultura.

Ainda tentando dissipar a sombra da formação que conquistou reconhecimento mundial com álbuns como Chaos A.D. e Roots, o Sepultura revela Kairos como um marco de provação. Apresentando um som mais direto e pesado como no início thrash da banda, o registro exclui os experimentalismos e orquestrações dos trabalhos conceituais anteriores, Dante XXI (baseado no livro A Divina Comédia, de Dante Alighieri), de 2006, e A-Lex, de 2009, que buscou inspiração no livro Laranja Mecânica, de Anthony Burgess. O único toque de experimentalismo do novo álbum ficou na última faixa, Structure Violence (Azzes), que conta com a parceria do grupo percussivo francês Les Tambours du Bronx.

Kairos foi produzido por Roy Z, que já trabalhou com gigantes do metal como Judas Priest, Rob Halford, Bruce Dickinson e Helloween. "Conhecemos o Roy de longa data. Ele é um excelente músico e produtor e foi esta mistura que fez com que ele fosse o escolhido para este trabalho", afirma Kisser. "Ele não é um produtor que fica somente dentro do estúdio, é também um músico muito ativo. Ele foi a escolha perfeita, tem grande know-how técnico e sensibilidade musical."

O novo disco também difere em seu processo de criação: as sessões de gravação foram transmitidas ao vivo pela internet. "Foi muito interessante, foi a primeira vez que fizemos isto e eu achei que foi muito positivo. Trouxemos os fãs para dentro do estúdio e percebemos que muita gente não tem a mínima noção do que é preciso para se fazer um disco; o tempo que leva, os detalhes e tudo mais. Foi um processo educativo pra muita gente", opina o guitarrista, que admite que se sentiu um pouco desconfortável com o assédio das câmeras no começo das transmissões. "Foi um pouco estranho, mas depois nos acostumamos e pudemos curtir a situação. É provável que na próxima façamos de novo", prevê. O making of do álbum será lançado em breve em DVD, com o material difundido na internet e extras.

Nova gravadora

O sangue novo do Sepultura também deve-se à nova gravadora Nuclear Blast Records, considerada um das principais selos independentes do rock pesado. "A Nuclear Blast entende o heavy metal. O pessoal que trabalha lá é, antes de tudo, fã do estilo. Eles conhecem o mercado das bandas e sobrevivem até hoje, apesar da internet e downloads. Estão na ativa porque sabem o que fazem. Eu não trocaria uma gravadora assim por nenhuma major label", garante o guitarrista.

Talvez por conta do vazamento prematuro do álbum na internet, o grupo adiantou o lançamento do disco em uma semana - inicialmente previsto para agosto, Kairos foi antecipado para o dia 24 de junho. Apesar disso, a opinião da banda sobre compartilhamento de músicas na internet não é 'quadrada'. "Acho que a tecnologia está aí para ficar, não tem volta. Ainda estamos em um processo de transição, tudo aconteceu muito rápido. O monopólio das gravadoras não é mais o mesmo, tem mais oportunidade para artistas independentes mostrarem o seu trabalho. Acho mais democrático", opina Kisser.

Em abril deste ano, a banda tocou na Virada Cultural, em São Paulo, em um show único com a Orquestra Experimental de Repertório (corpo artístico do Teatro Municipal de São Paulo), na Estação da Luz. Para os fãs que querem conferir Kairos ao vivo, Andreas dá uma prévia da agenda do Sepultura. "Temos o Rock in Rio no dia 25 de setembro e logo depois teremos umas datas com o Machine Head pelo Brasil e América do Sul."