quinta-feira, 31 de maio de 2012

Chris Cornell resgata pérolas do Temple of The Dog em turnê acústica

*Resenha originalmente publicada no Urbanaque.


O trabalho do vocalista e compositor Chris Cornell pode ser dividido em ao menos duas fases: a de ouro, à frente do Soundgarden e do projeto Temple of the Dog, na qual o artista compôs grandes clássicos dos anos 90 durante os momentos mais negros de suas experiências com drogas e depressão; e a fase comercial, na qual Cornell parece se esforçar para superar a imagem de rockstar mórbido, sucumbido às facilidades de se aceitar como um símbolo sexual e buscar seu lugar no mainstream com melodias radiofônicas melosas. Pois bem; foi por cultivar um grande apreço e saudosismo pela primeira fase que este que vos escreve foi ao show do artista no Fillmore, em Miami Beach, no último dia 16.

Para minha sorte, tudo indica que Cornell está bastante interessado em fazer as pazes com suas origens: em 2010, o vocalista anunciou o retorno do Soundgarden aos palcos, com um novo álbum previsto para lançamento ainda em 2012. E em suas turnês acústicas como artista solo, Cornell apresenta um repertório bem democrático, tocando canções de todas as suas fases, mas favorecendo os apreciadores de seus trabalhos mais antigos. Desta forma, fica fácil para o vocalista conquistar o público – seja pela força de seu repertório ou pelos fãs saudosistas que o circundam.

A fixação de parte do público do Fillmore pelo período noventista do cantor já ficou evidente no início da apresentação; uma fã na primeira fileira chamou a atenção de Cornell, ao oferecer um presente inusitado: uma bermuda branca customizada, com "Say Hello 2 Heaven" escrita em cores berrantes, além de um boné branco. Sensibilizado, o artista aceitou os presentes, rasgando elogios ("isso que é um boné de verdade, e não aquelas coisas que servem para você fazer propaganda de times da NBA") e prometeu realizar o pedido da fã mais tarde. Mas mal terminada a execução de "Can’t Change Me", Cornell já iniciou os acordes que desembocariam em uma sequência matadora de músicas do Temple of The Dog: "Say Hello 2 Heaven", "Wooden Jesus", "All Night Thing" e o hit "Hunger Strike". Durante estas quatro músicas, Cornell desencadeou o momento mais emocionante daquela noite, devidamente acompanhado pelo coro da plateia.


Depois do momento revival, o vocalista comentou que, chegando ao camarim naquela noite, encontrou um bilhete de um certo Ronnie, com um pedido: subir ao palco para pedir sua namorada em casamento. Cornell então recebeu seu 'velho amigo Ronnie' e passou o microfone para que o fã fizesse a declaração. Grávida, a mais nova noiva do pedaço aceitou o pedido e subiu ao palco. O casal, perdido entre beijos e abraços, saiu de cena em meio a brincadeiras de Cornell. "Crianças, lembrem-se: sexo somente depois do casamento. Jesus está vendo. Ele não tem nada melhor pra fazer mesmo". E como que para destoar totalmente do romantismo que se formou ali minutos antes, emendou "Fell On Black Days" do Soundgarden. Ainda no anticlímax da declaração de amor, veio "Burden In My Hand". Não é sempre que se pode ouvir frases tão embebidas de desilusão como "o medo é forte e o amor é para todos exceto eu" e "eu atirei no meu amor hoje, você choraria para mim?" após um pedido de casamento…

Reforçando ainda mais o clima nostálgico, Cornell relembrou "Seasons", da trilha do filme Singles (Vida de Solteiro, no Brasil), comédia romântica famosa por retratar a Seattle em plena era grunge. Após apresentar "Sunshower" – seu primeiro esforço solo após o fim do Soundgarden, que também virou trilha do filme Grandes Esperanças -, Cornell anunciou que faria algo diferente: apontou para uma vitrola à sua direita no palco e disse que tocaria um disco com uma gravação de um piano de calda, inspirada no take que a falecida amiga Natasha Shneider gravou para seu primeiro disco solo. E assim veio "When I’m Down", sem acompanhamento no violão, com o artista concentrando-se exclusivamente em sua apresentação vocal. E se seu desempenho não foi impecável em relação à versão de estúdio, ao menos foi o momento no qual sua voz mais brilhou naquela noite. O setlist ainda trazia uma surpresa para os verdadeiros fãs da fase antiga de Cornell. Ao enfim puxar a Fender Telecaster que descansava silenciosa à sua esquerda desde o início da apresentação, Cornell explicou: "escrevi essa música durante as gravações de Badmotorfinger, e como eu a compus em uma afinação muito diferente, era difícil de tocá-la nos shows do Soundgarden. Não tínhamos muitas guitarras disponíveis". Em seguida, iniciou as notas da improvável "Mind Riot".

O pessoal que estava carente de hits do repertório do Audioslave também foi prontamente atendido: "I Am The Highway" e "Doesn’t Remind Me" surgiram coladas e terminaram o set principal, com o vocalista saindo do palco ovacionado. Cornell ainda retornou para o bis, tocando sua versão do clássico "Billie Jean" e uma insossa canção nova intitulada “Roads We Choose”. Se o público se mostrou alheio à novidade, se rendeu em seguida com uma "Like A Stone" cantada em uníssono pelos presentes. O cover de Led Zeppelin, "Thank You", passou despercebido para dar lugar ao maior hit do Soundgarden, "Black Hole Sun" e o final, com uma versão desnecessária da piegas "Imagine", o clássico de John Lennon. Mas exageros à parte, a escolha do setlist pareceu destinada a arrebatar até mesmo o fã mais chato e exigente da noite – este vos escreve.


Setlist

Scar on the Sky
As Hope and Promise Fade
Ground Zero
Be Yourself
Can't Change Me
Say Hello 2 Heaven
Wooden Jesus
All Night Thing
Hunger Strike
Fell on Black Days
Burden in My Hand
Seasons
Sunshower
When I'm Down
Mind Riot
I Am the Highway
Doesn't Remind Me

Bis:
Billie Jean
Roads We Choose
Like a Stone
Thank You
Black Hole Sun
Imagine

terça-feira, 22 de maio de 2012

Wilco em Miami Beach: da leveza carismática à explosão noise

*Resenha originalmente publicada no Urbanaque.


Em mais uma data da turnê The Whole Love, o Wilco aportou em Miami na noite de terça-feira, 15, no Fillmore Miami Beach. Apesar de ser considerado um dos poucos nomes significativos do rock alternativo incluídos no mainstream – com reconhecimento atestado com prêmios no Grammy – os ingressos para o concerto não estavam esgotados. Mas se os bons refrãos de Jeff Tweedy e companhia não garantiram uma casa cheia, ao menos atraíram o interesse de várias faixas etárias: o público presente se estendia de jovens de 17 anos até quarentões.

O show teve abertura do Purling Hiss, um trio de Filadélfia com forte influência de guitar bands dos anos 90. Os músicos subiram ao palco às 20h03 e despejaram doses cavalares de rock e solos à la J Mascis (Dinosaur Jr), ao longo de um repertório curto de apenas sete músicas. Apesar de sabotados pelo som extremamente mal regulado – a bateria diminuta montada em frente à aparelhagem do Wilco não era microfonada e o vocal de Mike Polizze era totalmente encoberto pelo som de sua guitarra – a banda arrancou aplausos moderados da plateia.


Às 21h01 o Wilco surgiu timidamente no palco. Optando por um início mais introspectivo, o sexteto abriu o show com "One Sunday Morning", a faixa derradeira de seu álbum mais recente. Enquanto Jeff Tweedy dedilhava calmamente as notas no violão, acompanhado com parcimônia pelo guitarrista Nels Cline e Pat Sansone nos teclados, as luzes e projeções no palco reforçavam o tom sublime da canção. Totalmente desvinculada de imediatismo, "Poor Places" veio em seguida, exigindo dos expectadores uma cumplicidade silenciosa. O público se manteve quieto e assistia a tudo em clima de absoluta contemplação.

"Art of Almost" surgiu como o crescendo da apresentação, recheada de efeitos eletrônicos discretos que foram sumindo ao passo que a guitarra de Nels Cline foi tomando mais espaço até culminar em uma explosão noise. Não satisfeito em fazer uso dos efeitos dos dez pedais aos seus pés, Cline também abusou de um pequeno arsenal de aparelhos extras em uma mesa posicionada ao seu lado direito. Ao longo de toda a apresentação, Cline justificou seu posto entre os guitarristas mais notórios da atualidade, alternando uma grande quantidade de guitarras – chegou a usar três instrumentos diferentes em uma única canção -, momentos de delicadeza melódica e puro barulho ao maltratar suas cordas com um slide metálico. Estas intervenções desconcertantes não abusavam de virtuosismo, mas arrancam de seu instrumento sons que devem tanto às suas raízes no improviso do jazz quanto à influência do no wave do Sonic Youth.


Em contraponto às extravagâncias guitarrísticas de Cline, o baterista Glenn Kotche e o baixista John Stirratt compunham uma cozinha afiada o bastante para que o tecladista Mikael Jorgensen injetasse efeitos climáticos nas canções, muitas vezes acompanhado pelo multinstrumentista Pat Sansone. Jeff Tweedy também não deixou por menos e se mostrou um competente guitarrista, dobrando solos em "Side With the Seeds" e "Impossible Germany". Ao assumir a guitarra principal em "I'm The Man Who Loves You", Tweedy dedilhou solos e riffs sujos ao mesmo tempo em que atacava sua guitarra com alavancadas que lembraram os momentos elétricos de Neil Young.


Mas a maior arma de Tweedy não era sua técnica como instrumentista: era o carisma. Por mais que suas composições enveredem para letras tristes, ao vivo ele não segue o típico clichê do 'artista atormentado' – apesar de problemas anteriores com depressão e cruéis enxaquecas. Casado e pais de dois filhos, o líder do Wilco reflete agora em suas criações a crise de meia idade e seus demônios pessoais, mas no palco exibe uma simplicidade que cativa o público, quase como se a platéia calçasse os mesmos sapatos de seu ídolo.

Tweedy estava à vontade o bastante para incitar a participação do público no refrão de "Jesus Etc." e fazer piadas; após a tortuosa "Radio Cure", ele perguntou "vocês estavam cantando junto nessa música? É uma música realmente muito triste para cantar junto, vocês têm certeza?", ironizou. Antes de "I'm The Man Who Loves You", Kotche ficou em pé em sua bateria e Tweedy não perdeu a chance de sacanear o colega: "Glenn fez isso hoje porque uma jovem brasileira nos disse que isso é a coisa mais bonita que ela já viu. Não sei se dou risada ou choro disso", comentou, apontando para a fã.


Se "I Must Be High" surgiu para matar a saudade do primeiro disco do grupo, o último bis veio para fechar a noite com saudosismo: "Red-Eyed and Blue", "I Got You (At The End Of The Century)" e "Outtasite (Outta Mind)" vieram recheadas do country-rock do início da carreira da banda. O show chegou ao fim com a apoteótica "Hoodoo Voodoo", que contou com a participação do roadie Josh, que parecia ter saído do elenco do filme Quase Famosos. Desinibido, o roadie tirou a camisa e fez várias estripulias no palco, enquanto tocava cowbell. Um final surreal para um show que começou marcado pela introspecção.


Setlist:

One Sunday Morning
Poor Places
Art Of Almost
I Might
A Shot in the Arm
Side With The Seeds
Country Disappeared
War On War
Impossible Germany
Born Alone
Radio Cure
Capitol City
Handshake Drugs
Jesus, Etc.
Whole Love
I Must Be High
Dawned On Me
Heavy Metal Drummer

Primeiro bis:
Via Chicago
Hate It Here
Theologians
I’m the Man Who Loves You
Hummingbird

Segundo bis:
Red-Eyed and Blue
I Got You (At The End Of The Century)
Outtasite (Outta Mind)
Hoodoo Voodoo

domingo, 6 de maio de 2012

Beach Boys e o prestígio além do saudosismo

Genialidade tímida de Brian Wilson e carisma de Mike Love permearam show do grupo na Flórida na última sexta, 4


*Matéria originalmente publicada no site da revista Rolling Stone Brasil.

Em 1966, Brian Wilson declarou que seu objetivo era compor uma “sinfonia adolescente para Deus”. Não seria exagero dizer que, se ele não concretizou a façanha, ao menos chegou bem perto disso à frente dos Beach Boys. Na última sexta-feira, 4, a turnê de aniversário de 50 anos do grupo passou por Hollywood (Flórida, Estados Unidos) e mostrou que as harmonias vocais de Wilson, Mike Love, Al Jardine, Bruce Johnston e David Marks ainda conferem uma atmosfera angelical ao grupo no palco.

Às 20h05, batidas na bateria introduziram "Do It Again". À medida que os nomes dos membros principais eram convocados pelo microfone, a plateia do Hard Rock Live respondia com aplausos. Brian Wilson, o último a ser anunciado, foi o mais ovacionado. Visivelmente debilitado (seja por sequelas físicas ou psicológicas), o músico entrou em cena amparado por um ajudante e sentou-se em um piano à esquerda do palco. Apesar de toda a devoção dos fãs, Wilson pareceu estar mais à vontade no papel de coadjuvante durante a primeira parte da apresentação, assumindo os vocais principais somente em "Surfer Girl".


Em contraponto à timidez de Wilson, Mike Love era pura extroversão. Apresentando as canções e emendando comentários entre as músicas, o vocalista não perdia chances de satirizar sua própria velhice: Love iniciou "When I Grow Up To Be A Man" estendendo seu vocal à capela até ficar de joelhos no chão, reerguendo-se escorado pelos dois guitarristas à sua volta. Em outro momento, se pôs a comentar sobre os compactos em vinil que fizeram a fama da banda. "Tenho que explicar o que são discos, porque obviamente muita gente nem sabe do que se trata isso hoje em dia", brincou, arrancando risadas.

As piadas de Love se encaixaram perfeitamente com o público presente: muitos dos espectadores da noite eram senhores e senhoras de cabelos brancos (alguns de bengalas e cadeiras de rodas), muitos com camisas havaianas – uma referência ao uniforme do grupo nos tempos dourados. Em um dos momentos bem arquitetados para evocar a emoção destes fãs de longa data, o falecido baterista Dennis Wilson 'participou' pelo telão durante a execução de "Forever". O clássico "I Get Around" anunciou o fim da primeira parte do show e um intervalo de cerca de 20 minutos.


O segundo ato começou com uma versão simplória de "California Dreamin’" do Mamas & The Papas, mas logo revelou-se o momento mais intenso do concerto: canções como "Sail On, Sailor", "Heroes & Villains" e "I Just Wasn't Made for These Times" apresentaram alguns dos arranjos mais impecáveis de Brian Wilson. Em algumas músicas, era possível contabilizar dez músicos de apoio participando das performances no palco.


Carl Wilson, morto em 1998, também foi lembrado durante "God Only Knows", com a gravação de sua voz, enquanto apareciam imagens do guitarrista no telão. A nova "That's Why God Made the Radio" apareceu logo em seguida, dando uma prévia do que está por vir no primeiro álbum de material inédito do grupo desde "Summer In Paradise", de 1992. Ao puxar o vocal principal em "Rock N' Roll Music", de Chuck Berry, Brian discretamente deixou o palco e retornou após "Surfin' USA" – provavelmente para poupar energias para o fim do show. “Kokomo”, único hit dos Beach Boys durante os anos 80, iniciou o bis, que terminou de maneira festiva com a dobradinha "Good Vibrations" e "Fun, Fun, Fun".


Ainda que a nova "That's Why God Made the Radio" não esteja à altura de obras-primas como "Pet Sounds" e a atual excursão se enquadre como mais uma turnê caça-níquel entre outras tão constantes atualmente, a superação do histórico de problemas com drogas, brigas judiciais e diferenças entre os membros remanescentes do Beach Boys já é bastante válida – mesmo que seja apenas para celebrar o legado do grupo que já rivalizou com os Beatles nas paradas de sucesso.

Veja abaixo o set list da apresentação:

Primeiro ato

“Do It Again”
“Catch A Wave”
“Don't Back Down”
“Surfin' Safari”
“Surfer Girl”
“The Little Girl I Once Knew”
“Wendy”
“Forever”
“Then I Kissed Her”
“When I Grow Up (to Be a Man)”
“You're So Good to Me”
“Be True to Your School”
“Disney Girls”
“Please Let Me Wonder”
“Don't Worry Baby”
“Little Honda”
“Little Deuce Coupe”
“409”
“Shut Down”
“I Get Around”

Segundo ato
“California Dreamin’” (cover do The Mamas & the Papas)
“Sloop John B”
“Wouldn't It Be Nice”
“Sail on, Sailor”
“Heroes and Villains”
“In My Room”
“All This Is That”
“I Just Wasn't Made for These Times”
“God Only Knows”
“That's Why God Made the Radio”
“California Girls”
“Dance, Dance, Dance”
“All Summer Long”
“Help Me, Rhonda”
“Do You Wanna Dance?” (cover de Bobby Freeman)
“Rock and Roll Music” (cover de Chuck Berry)
“Barbara Ann” (cover do The Regents)
“Surfin' USA”

Bis:
“Kokomo”
“Good Vibrations”
“Fun, Fun, Fun”

Mais vídeos do show aqui.