quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Mark Lanegan Band e o bate-estaca melancólico de Blues Funeral

*Resenha originalmente publicada no Urbanaque.


Para os músicos que tiveram participação no estouro do chamado 'som de Seattle' durante os anos 90, lançar material novo e relevante até hoje é no mínimo uma proeza tão notável quanto permanecer vivo – vide casos como o de Kurt Cobain e Layne Staley. Mas não é exagero afirmar que Mark Lanegan tem marcado pontos nestes dois quesitos: dono de uma voz grave talhada por anos de abusos com cigarro, álcool e drogas, o cantor deixou os vícios de lado e atualmente goza de uma posição privilegiada no cenário musical. Seus álbuns e colaborações com nomes como Queens of the Stone Age, PJ Harvey, Ween, UNKLE, Twilight Singers, entre outros, lhe conferiram um prestígio à sua carreira solo que hoje é ainda maior do que o status atingido por sua finada banda Screaming Trees.

Em seu sétimo álbum, Lanegan dá fim não somente ao hiato de sete anos sem lançar discos como também a essa sensação de 'área de conforto' em sua carreira. A faixa de abertura, "The Gravedigger’s Song", é uma das canções mais pesadas que Lanegan já gravou e emula um pouco do som robótico do Queens of the Stone Age, mas ela é apenas uma pista falsa no disco; a tônica de Blues Funeral é o estilo mórbido característico do cantor mergulhado em fortes doses de – quem diria – synthpop oitentista.

Esse direcionamento eletrônico pode parecer improvável para um cantor que executou boa parte de seus primeiros discos com instrumentos acústicos, mas na verdade Blues Funeral presta tributo a bandas como Crime & The City Solution, Joy Division, Kraftwerk e New Order – todas velhas influências confessas de Lanegan que ainda não tinham aparecido de forma tão marcante em seu trabalho. Um novo método de composição baseado em sintetizadores e baterias eletrônicas também foi determinante para esse rumo.

E a nova química funciona de forma que nada soa forçado: faixas como "Bleeding Muddy Water" e "St Louis Elegy" se destacam como verdadeiros mantras climáticos com a interpretação blueseira de Lanegan. A produção de Alain Johannes peca pelo exagero em alguns momentos, como na desnecessária "Tiny Grain of Truth" – que se perde em longos experimentalismos com guitarras gravadas ao contrário – e na pauleira "Quiver Syndrome", que é quase estragada pelo excesso de barulhinhos com sintetizadores, mas é salva por uma guitarra nervosa. "Riot In My House" traz participação de Josh Homme e talvez por isso pareça um híbrido de Screaming Trees e Queens of the Stone Age. Mas o grande momento das guitarras em Blues Funeral não é carregado de distorção, mas sim de delays: as linhas de "Harborview Hospital" remetem ao estilo de The Edge nos melhores momentos do U2, mas com um toque gótico nos sintetizadores.

A temática eletrônica do disco pode ser resumida com "Ode to Sad Disco" (baseada em "Sad Disco", do cineasta Keli Hlodversson). Como o próprio nome já entrega, essa seria a música mais dançante do álbum, ainda que completamente lúgubre. Um ritmo semelhante ao de "Kids" do MGMT toma conta dos alto-falantes e antes que você possa se questionar 'que porra é essa?', o vocal de Lanegan surge e confere ao bate-estaca uma interpretação melancólica que faria Ian Curtis abrir um sorriso – ou abaixar a cabeça em consentimento.

Buscar renovação em uma tendência que grande parte das bandas de rock que formavam o mainstream do fim dos anos 90 (como Smashing Pumpkins, Bush e Garbage) seguiram parecia fadada ao fracasso, mas o mais surpreendente é que Blues Funeral funciona. Os fãs mais puristas da fase folk de Lanegan já foram avisados a se acostumar com essa sonoridade, visto que o disco anterior – Bubblegum, de 2004 -, já dava indícios de baterias eletrônicas e sintetizadores na faixa "Can’t Come Down". Junte isso e as participações nos discos do duo Soulsavers e o direcionamento do vocalista para uma praia mais eletrônica aparece como uma consequência natural. Ponto para Lanegan, que se arriscou um pouco, mas não deixou de acertar no que sabe fazer de melhor: interpretar suas próprias angústias de forma cativante.

NOTA: 3 urbs.

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