Em mais uma data da turnê The Whole Love, o Wilco aportou em Miami na noite de terça-feira, 15, no Fillmore Miami Beach. Apesar de ser considerado um dos poucos nomes significativos do rock alternativo incluídos no mainstream – com reconhecimento atestado com prêmios no Grammy – os ingressos para o concerto não estavam esgotados. Mas se os bons refrãos de Jeff Tweedy e companhia não garantiram uma casa cheia, ao menos atraíram o interesse de várias faixas etárias: o público presente se estendia de jovens de 17 anos até quarentões.
O show teve abertura do Purling Hiss, um trio de Filadélfia com forte influência de guitar bands dos anos 90. Os músicos subiram ao palco às 20h03 e despejaram doses cavalares de rock e solos à la J Mascis (Dinosaur Jr), ao longo de um repertório curto de apenas sete músicas. Apesar de sabotados pelo som extremamente mal regulado – a bateria diminuta montada em frente à aparelhagem do Wilco não era microfonada e o vocal de Mike Polizze era totalmente encoberto pelo som de sua guitarra – a banda arrancou aplausos moderados da plateia.
Às 21h01 o Wilco surgiu timidamente no palco. Optando por um início mais introspectivo, o sexteto abriu o show com "One Sunday Morning", a faixa derradeira de seu álbum mais recente. Enquanto Jeff Tweedy dedilhava calmamente as notas no violão, acompanhado com parcimônia pelo guitarrista Nels Cline e Pat Sansone nos teclados, as luzes e projeções no palco reforçavam o tom sublime da canção. Totalmente desvinculada de imediatismo, "Poor Places" veio em seguida, exigindo dos expectadores uma cumplicidade silenciosa. O público se manteve quieto e assistia a tudo em clima de absoluta contemplação.
"Art of Almost" surgiu como o crescendo da apresentação, recheada de efeitos eletrônicos discretos que foram sumindo ao passo que a guitarra de Nels Cline foi tomando mais espaço até culminar em uma explosão noise. Não satisfeito em fazer uso dos efeitos dos dez pedais aos seus pés, Cline também abusou de um pequeno arsenal de aparelhos extras em uma mesa posicionada ao seu lado direito. Ao longo de toda a apresentação, Cline justificou seu posto entre os guitarristas mais notórios da atualidade, alternando uma grande quantidade de guitarras – chegou a usar três instrumentos diferentes em uma única canção -, momentos de delicadeza melódica e puro barulho ao maltratar suas cordas com um slide metálico. Estas intervenções desconcertantes não abusavam de virtuosismo, mas arrancam de seu instrumento sons que devem tanto às suas raízes no improviso do jazz quanto à influência do no wave do Sonic Youth.
Em contraponto às extravagâncias guitarrísticas de Cline, o baterista Glenn Kotche e o baixista John Stirratt compunham uma cozinha afiada o bastante para que o tecladista Mikael Jorgensen injetasse efeitos climáticos nas canções, muitas vezes acompanhado pelo multinstrumentista Pat Sansone. Jeff Tweedy também não deixou por menos e se mostrou um competente guitarrista, dobrando solos em "Side With the Seeds" e "Impossible Germany". Ao assumir a guitarra principal em "I'm The Man Who Loves You", Tweedy dedilhou solos e riffs sujos ao mesmo tempo em que atacava sua guitarra com alavancadas que lembraram os momentos elétricos de Neil Young.
Mas a maior arma de Tweedy não era sua técnica como instrumentista: era o carisma. Por mais que suas composições enveredem para letras tristes, ao vivo ele não segue o típico clichê do 'artista atormentado' – apesar de problemas anteriores com depressão e cruéis enxaquecas. Casado e pais de dois filhos, o líder do Wilco reflete agora em suas criações a crise de meia idade e seus demônios pessoais, mas no palco exibe uma simplicidade que cativa o público, quase como se a platéia calçasse os mesmos sapatos de seu ídolo.
Tweedy estava à vontade o bastante para incitar a participação do público no refrão de "Jesus Etc." e fazer piadas; após a tortuosa "Radio Cure", ele perguntou "vocês estavam cantando junto nessa música? É uma música realmente muito triste para cantar junto, vocês têm certeza?", ironizou. Antes de "I'm The Man Who Loves You", Kotche ficou em pé em sua bateria e Tweedy não perdeu a chance de sacanear o colega: "Glenn fez isso hoje porque uma jovem brasileira nos disse que isso é a coisa mais bonita que ela já viu. Não sei se dou risada ou choro disso", comentou, apontando para a fã.
Se "I Must Be High" surgiu para matar a saudade do primeiro disco do grupo, o último bis veio para fechar a noite com saudosismo: "Red-Eyed and Blue", "I Got You (At The End Of The Century)" e "Outtasite (Outta Mind)" vieram recheadas do country-rock do início da carreira da banda. O show chegou ao fim com a apoteótica "Hoodoo Voodoo", que contou com a participação do roadie Josh, que parecia ter saído do elenco do filme Quase Famosos. Desinibido, o roadie tirou a camisa e fez várias estripulias no palco, enquanto tocava cowbell. Um final surreal para um show que começou marcado pela introspecção.
Setlist:
One Sunday Morning
Poor Places
Art Of Almost
I Might
A Shot in the Arm
Side With The Seeds
Country Disappeared
War On War
Impossible Germany
Born Alone
Radio Cure
Capitol City
Handshake Drugs
Jesus, Etc.
Whole Love
I Must Be High
Dawned On Me
Heavy Metal Drummer
Primeiro bis:
Via Chicago
Hate It Here
Theologians
I’m the Man Who Loves You
Hummingbird
Segundo bis:
Red-Eyed and Blue
I Got You (At The End Of The Century)
Outtasite (Outta Mind)
Hoodoo Voodoo
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